À hora a que escrevo estas linhas, 12.48, a terra tinha tremido em Matosinhos sete minutos antes e já se via a nuvem de fumo negro.
Apesar de ser completamente míope na altura, frequentava o 3.º ano do liceu no edifício que é hoje a Pensão Senhor de Matosinhos, na rua do Godinho. O único ano do liceu que 'gatei', embora com três notas 15.
A minha sala estava virada a Sul e todos podemos, por isso, sentir logo a potência do acontecimento.
Lembro-me de ver da varanda do sétimo andar onde vivia no edifício da Solmar pessoas a subirem a rua Alfredo Cunha com colchões enrolados às costas. Uma cena muito semelhante à de qualquer refugiado em fuga de uma zona de catástrofe ou de guerra. Nessa noite, o meu pai levou-nos para o Porto e tivemos a primeira experiência hoteleira, no 'Castor'.
Foi há 47 anos. Muitos anos para quem na altura era feliz apenas a vandalizar com marcadores grossos o papel da parede da sala de aula com frases entre o revolucionário e o absurdo. Penso que 47 anos depois daquele 29 de janeiro pelo menos continuo fiel ao absurdo.