As Torres gémeas da Facar foram eleitos o mamarracho mor de Matosinhos pelos leitores deste blogue. Nada a contestar porque gostos e desgostos não se discutem, na certeza de que, procurando mais um bocadinho, seriamos capazes de encontrar outras preciosidades arquitectónicas, não tão gigantescas, é certo, mas também relevantes em termos de desprezo pela estética e pelas esteticistas.
Ainda a propósito das nossas torres gémeas, recordo um artigo de Magalhães Pinto - um dos poucos intelectuais matosinhenses activos - sobre o assunto, com a devida vénia:
Na última edição, Manuel Seabra deu uma importante entrevista ao "MH". Li-a com muita atenção. Porque nas linhas e nas entrelinhas do que disse estaria, na minha opinião, muito do que Matosinhos vai ser na década que aí vem, pelo menos. E não senti que as minhas esperanças saem defraudadas da entrevista. No final, fiquei com a sensação de ter "ouvido" um homem sereno, que sabe o que quer. Para ele e para a sua (nossa) cidade. Se alguma imagem forte me ficou da leitura, ela foi a do contraste. Enquanto vou assistindo - sobretudo no programa "A Voz da Autarquia", que passa numa rádio do concelho - a tão subtis como nefandos ataques à sua pessoa, por parte do actual Presidente da Câmara, senti, em toda a entrevista de Manuel Seabra, uma notável contenção, quando não a rasgados elogios por si feitos à obra do Presidente. Acho que é assim, realmente, que deve ser. É nas vitórias e nas derrotas que melhor se conhecem os homens. Por mim, sinto-me honrado em conhecer Manuel Seabra.Entre os diferentes assuntos abordados, um há que me tocou de perto. E, por isso mesmo, estou em posição de dar o meu testemunho. Tem a ver com as Torres de Leça. Cuja responsabilidade alguém lhe atribuiu já. E da qual eu o posso inteiramente ilibar. Tal e qual ele conta na sua entrevista. Eu sei. Pela comezinha razão de que eu era, na altura, o presidente da NOVAFACAR. Empresa cujo capital pertencia já, então, à instituição para a qual eu trabalhava, o BPA. Muito jovem ainda, Manuel Seabra nem sonhava - tal e qual como diz - com ser vereador da Câmara.É muito fácil criticar, hoje, o projecto de Entrequintas. Mas não se pode criticar o projecto com os dados que temos hoje. É necessário regressar ao passado e saber porque é que tudo isso aconteceu. Eu conto. Pedindo desculpa ao Director do "MH" por ocupar hoje um pedacinho maior para os meus dizeres. É que acho que, se soubermos a verdade, criticamos seja quem seja com mais justiça. Ao mesmo tempo que deixamos ficar umas notas para a história de Matosinhos.A FACAR foi, durante muito tempo, uma empresa líder do mercado português na sua especialidade. Mas, no "25 de Abril", na vertigem do que se passou em muitas empresas, a FACAR foi reduzida a cacos. E acabou por ser intervencionada. E foi o que se sabe. Enquanto intervencionada, conseguia sobreviver apenas à custa de muito crédito bancário. Quando, pelo fim dos anos setenta, a FACAR foi desintervencionada e devolvida aos seus legítimos donos - os irmãos Carvalho - estava tecnicamente falida, com o mercado arruinado, devedora de milhões à Banca, sem matérias primas. Da empresa brilhante que fora, quase só restava o equipamento - entretanto a desactualizar-se - e os trabalhadores. Tal como foi feito com outras empresas, a Banca (nacionalizada, não esqueçamos) recebeu ordens para facilitar o crédito à FACAR. Sobretudo para aquisição de matérias primas, sem as quais não podia laborar. E, rapidamente, a FACAR fica a dever à Banca - principalmente ao BPA - muitos milhões. Algo que valeria, hoje, qualquer coisa como 12 a 15 milhões de contos.Mas o mercado tinha mudado. E os irmãos Carvalho eram gestores para um outro tipo de mercado. A FACAR não conseguiu recuperar. Em dois ou três anos voltou a ficar na falência. A Banca, entretanto, tinha começado já a ser mais racional no tratamento dos seus devedores. Foram tentadas várias soluções (algumas delas propostas pelo BPA e acompanhadas por mim. Nada resultou. E o Banco tratou de cobrar os seus créditos coercivamente. O resultado era simples. A FACAR seria declarada falida. Na sequência disso, desmantelada. E os trabalhadores, em número de algumas centenas, seriam lançados no desemprego, todos sem indemnizações que se vissem. Porque o único bem com valor existente no activo da FACAR eram os terrenos onde a fábrica estava instalada. E esses estavam hipotecados ao Banco, como garantia dos créditos.A perspectiva doía-me a mim e, creio, também aos responsáveis pela Câmara Municipal de Matosinhos. Especialmente a Narciso Miranda, o qual acompanhava a situação da FACAR muito de perto. Por isso é que consegui propor ao Banco que aguentasse a empresa enquanto se fazia o projecto urbanístico para os terrenos da FACAR, para ver até onde podia ir o Banco no apoio ao seu encerramento. O projecto foi feito com a rapidez possível, num gabinete de arquitectura também pertencente ao Banco - a Compave, de Lisboa, do qual eu era também presidente. E, de algum modo, o projecto foi feito de modo a permitir o desactivar da FACAR com respeito por todos os direitos dos trabalhadores, sobretudo no plano das indemnizações. Era uma tentativa de salvar da miséria muitas das famílias da nossa terra. Pronto o projecto, faltava apenas o acordo da Câmara. A qual deu o seu acordo desde que fossem salvaguardados os direitos dos trabalhadores. Foi assim que, efectivamente, foi aprovada, para aquele espaço, sem bem me lembro, 232.000 metros quadrados de construção (Manuel Seabra arredondou este número para 230.000 na sua entrevista).O que se passa nos finais dos anos noventa eu já não sei. Já não estava no BPA. Mas sei duas coisas. Primeiro, que o alvará do empreendimento de Entrequintas estava totalmente formalizado e não poderia ser alterado - sem acordo do promotor - para menos. E, segundo, que as duas torres existentes eram umas cinco ou seis no projecto inicial, embora algo mais baixas, com excepção de uma.Por tudo isto que eu sei, é que concluo com duas afirmações. É iníquo imputarem-se responsabilidades pelas Torres de Leça a Manuel Seabra. E é iníquo, mesmo, imputá-las a qualquer outra pessoa, tendo em conta o que contei. A não ser que estivéssemos dispostos a ver algumas centenas de famílias da nossa terra sem trabalho e sem dinheiro. Assim, pelo menos, puderam reequilibrar as suas vidas. Graças às Torres de Leça.