Quando nasci, o espaço do 'Batô' era uma casa de fados ("A Coutada"), ali no largo do Castelo, onde um dia cantou Amália Rodrigues, o que provocou grande alvoroço no casco histórico de Leça da Palmeira, onde vivi até aos nove anos e onde sempre viveram os meus avós Álvaro e Teresa. Posso, portanto, dizer que sou mais velho que o velho 'Batô', discoteca mais antiga em funcionamento na área metropolitana do Porto, a bombar desde 1971, precisamente quando a vida me levou para Matosinhos, sem nunca abandonar a matriz.
No próximo dia 30, o 'Batô' festeja o seu 50.º aniversário. É obra. Ali se produziu muita marmelada e se fez crescer a taxa demográfica nacional, com fases melhores e outras nem tanto (como aconteceu durante a pandemia que ainda nos está a tocar). O contributo para as cervejeiras e os produtores de bebidas brancas foi também significativo mas sobretudo temos ali o melhor dos ansiolíticos.
O 'Batô' sempre primou por ter a sua batida. Nos primeiros tempos com sons da frente, ouvidos pela primeira vez em Portugal, nos últimos com a tal música dos anos 60/70 que acompanhou a sua génese e que, digam o que disserem, continua a ser a melhor.
Podemos dizer que na noite matosinhense sobretudo houve um momento AB (Antes do Batô) e AC (Depois do Batô). Na década de 60, como refere João Mimosa, in 'As Atividades de Lazer do Porto e seus Arredores: uma visão geográfica", era reduzido o número de estabelecimentos de lazer noturno, depois de os anos 50 terem conhecido o 'glamour' dos bares 'Rex'. 'Atlântico' e 'Holanda', todos em Matosinhos, para além do 'Palladium', no Porto. Na década seguinte, releva ainda este autor, surgem o 'Teia', o 'Ásia', o 'Pérola Negra' e, entre outros, a 'D. Urraca', representando a primeira mudança de paradigma. A que se acrescenta a entrada em funcionamento do "Quitexe", de 'A Cubata', do "Popei" e do "Xeque-Mate", quase todos eles espaços dedicados à atividade a que podemos chamar, sem ofender as profissionais, alterne.
No período DB, como é sabido, Matosinhos conheceu um boom de discotecas, primeiro com o 'Buffalo's' e depois com o 'Estado Novo' e o 'Cais 477'. Todas elas já uma saudade, embora o EN ainda se tivesse aguentado, soluçante, até há bem pouco tempo, depois de 17 anos de funcionamento, fechando o ciclo com a festa 'Golpe de Estádio'. E ali perto do 'Batô', na rua de Fuzelhas, funcionou durante muitos anos o 'Gatsby', que começou por ser uma iniciativa da secção discoteca do Orfeão de Matosinhos.
O 'Estado Novo' foi uma das realizações maiores do grande empresário matosinhense Betuxo Magalhães, um matosinhense de gema precocemente desaparecido e que fica na nossa história por ter trazido a movida para Matosinhos. Também ele certamente terá pisado as tábuas do Batô.
O Batô, como todos sabemos, fisicamente não mudou muito mas da sua tripulação já não se pode dizer outro tanto. A discoteca foi construída pela mão do mestre Albino Ora Lopes, leceiro de gema, que terá aproveitado algum dos madeirame de dois iates para a obra que nos legou. As escotilhas, a roda do leme, o deck e as redes (só nos últimos anos retiradas, quando a ASAE entrou em ação) tornam o 'Batô' sempre um veleiro que cruza a noite ao som da melhor música, levando-nos para mares que apetece sempre voltar a navegar, embora ao raiar do dia qualquer Trapobana com duas pernas nos possa parecer uma moura encantada...